Ao som de…

“A boa música nunca se engana, e vai direta, buscar ao fundo da alma o desgosto que nunca devora.”

(Sthendal)

Atualização semanal!

Última atualização: 06/07/2010

Da Bossa Nova à Tropicália


De antemão, aviso que este post está bastante longo. E acho que não poderia ser diferente. Ao consultar o youtube, encontrei 4.430 resultados para a expressão “João Gilberto” (pioneiro da Bossa Nova). Por curiosidade, consultei a expressão “Kelly Key” e encontrei 5.270. Diante disso, me permiti extender esse post.

E quem é que não gosta de um desafio?

Numa troca de replys, surge o desafio de eleger algumas músicas que representem o percurso da música brasileira entre a Bossa Nova e o Tropicalismo.

Selecionei duas músicas por período, na minha opinião, emblemáticas. Utilizo a obra de Santuza Cambraia Naves para fundamentar a discussão. Vamos lá:

Antes de falar da Bossa Nova, acho importante demarcar o que se produzia no Brasil antes dela. A Bossa Nova não surge como um movimento organizado buscando romper com um estilo, contudo, apesar de não haver essa pretensão, ela o faz.

Dolores Duran interpreta Escurinho, música de Geraldo Pereira e que tocou na Rádio Nacional (entre outros veículos) durante o fim da década de 40 e o início da década de 50.

A característica principal da música anterior à Bossa Nova era o excesso. Percebam o arranjo orquestral, formado por instrumentos de sopro, de percussão, de cordas e os metais. Entre os instrumentos de corda, há pouco espaço para o violão, e grande espaço para os instrumentos como o violoncelo e o violino. Na imagem desse vídeo é possível observar a ênfase dada à banda/orquestra ao fundo da imagem da cena.

Maysa foi escolhida por dois motivos: 1) representa os cantores que iniciaram antes da Bossa e, posteriormente, foram influenciados por ela; 2) representa o samba-canção, apesar de passar sua carreira inteira dizendo que nunca foi cantora de samba-canção.

Percebam o tom melancólico da música, caracterizando o excesso. Além disso, observem o estilo operístico da canção, onde Maysa solta a voz ao máximo e a exibe com floreios e entonações mais variadas. Os trajes exuberantes e uma postura teatral na interpretação dão força ao tom orquestral.

Desafinado cantado por João Gilberto e Tom Jobim são, na minha opinião, o maior exemplar do surgimento da Bossa Nova. Entre os pioneiros da Bossa Nova, todos concordam sobre a liderança de João Gilberto.

Entre as características marcantes, destaco a “limpeza” das canções e a forte influência camerística. Nessa canção, especificamente, saem os metais e os sopros e permanecem, em hegemonia, as cordas. Musicalmente também é possível observar a ausência de simetria entre violão e voz.

Fiquei em dúvida sobre a outra música e pensei em Soneto de Fidelidade interpretada pelo Vinícius de Moraes. Fica a sugestão! Acabei encontrando duas versões de Chega de Saudade! A primeira cantada por Elizeth Carneiro (1958) e a segunda interpretada pelo próprio João Gilberto (não sei a data). Na leitura do João Gilberto, voz e violão substituem uma profusão de instrumentos da gravação de Elizeth, demarcando bem a diferença entre os dois momentos musicais.

Por fim, diferente da Bossa Nova, a Tropicália se configura como um movimento cultural que transcende questões puramente estéticas da música, ocupando discussões no campo da literatura, artes plásticas e demais espaços da arte e cultura. Há grandes mudanças, inclusive, na roupa, coreografia e organização de palco destes novos cantores. Não se trata, no entanto, de uma ruptura radical com a tradição, mas sim uma retomada de valores antigos e a releitura a partir de novos olhares, influenciados pelo rock estrangeiro, pelo regionalismo e até mesmo pela Bossa Nova e o iê-iê-iê da Jovem Guarda.

Panis et Circensis compõe o disco-manifesto do movimento tropicalista, de 1968. Gravado pelos Mutantes a música mostra a invenção de uma estilística musical completamente distinta. Talvez sincretismo seja a melhor expressão para esse momento. Nesse estilo, guitarras elétricas convivem com a sonoridade dos violinos, dos berimbaus e dos instrumentos de percussão regionalistas, por exemplo.

Entre todas as músicas do movimento tropicalista, me parece que Tropicália, do Caetano Veloso, sintetiza quais eram as possibilidades dessa nova música.

Interessante observar a alteração estílistica dos instrumentos que variam entre o épico e a batida popular do samba, que acompanham a intensidade da letra. Nessa música é possível observar desde a intertextualidade (característica desse estilo) apresentada na narração que inicia a música, até questões como:

a) articulação de padrões estéticos: “o monumento é de papel crepom e prata”

b) a ironia: “e nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira entre os girassóis”

c) a celebração e a valorização da cultura brasileira: “viva a bossa-sa-sa”

d) a crítica social: “e no joelho uma criança sorridente, feia e morta estende a mão”

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Para fundamentar melhor essa discussão, seria fundamental citar questões como a Semana de Arte de 22, a influência da poesia concreta sobre a Bossa Nova, o jazz norte-americano, o cool jazz, o Beco das Garrafas, a influência da União Nacional dos Estudantes na criação do Centro Popular de Cultura, a Jovem Guarda, a literatura e o surgimento das redes televisivas…

Enfim, para quem interessar, o livro Da Bossa Nova à Tropicália, de Santuza Cambraia Naves (Jorge Zahar Editor) merece todos os créditos pelos recortes feitos nesse post.

Agora, vou te contar, dá vontade de levar o LP Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim para a Kelly Key e dizer: Baba Baby !!!

Abraços,

3 Respostas to “Ao som de…”

  1. Maurício Junho 30, 2010 às 6:13 pm #

    Depois do carinho absurdo no meu aniversário, agora mais esta surpresa! Vc é incrível… e se o primeiro post é dedicado a mim, eu só posso retribuir com o primeiro comentário… por enquanto! =)

    Nem preciso dizer o quanto sou teu fã e o quanto admiro tua forma de escrever, né? Texto lindo, inspiradíssimo e escrito com o coração, sempre! O que deixa tudo ainda mais gostoso.

    Obrigado por tudo… e bem vindo de volta! ^^

  2. Arquimedes Diniz (@evanmarcal) Junho 30, 2010 às 7:11 pm #

    A música é a anfitria do espetaculo que é a vida, amizades duradoras, sempre são revestidas de boa música, e interessantes conversas. Lindo o que fez. Que seu blog seja expressão sempre do ser que você é e que ainda não conheço. =)

  3. Luis (@lpfulano) Julho 6, 2010 às 7:15 pm #

    Sensacional a matéria, fez uma pesquisa muito boa passou em todos os tempos da MPB de uma forma delícada e decisiva. Texto lindo e muito bem elaborado!!!

    “sem música a vida seria um erro – Friedrich Nietzsche”

    “sem MPB não teriamos uma boa musica – EU rsrs”

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