Catarse

12 Nov

O que há de errado com as relações amorosas? Pegou algumas folhas, fechou os olhos e sabia que, naquelas poucas linhas, apresentaria todas as respostas. Assim desejava.

Declarou seu fracasso quando pediu respostas. Sentiu olhos mareados ao te-las, afinal, essa coisa de transformar emoção em razão dói as pencas. Transformar  sentimento em razão, não é apenas uma troca de lugar. Não é apenas uma troca de linguagem. É, sobretudo, um luto. A morte de um ideal que se faz a revelia do que pensávamos.

Ai surge algo tão real que te toma tonto.  Que te põe a dois passos de todas as respostas que você precisa. Sabe o que se faz? Passos para trás, afinal, ter as respostas não é bem assim.

Solto letras nesse papel, presas em alguma coisa que não sei o que. Nem penso o que escrevo. As palavras vão para a tela do computador antes mesmo de passar pela minha consciência. Parece até que consciência é uma via obrigatória. Não me surpreenderia se ela nem existisse.

Acho que preciso disso: de soltar tantas palavras que limpem minha mente e que deem vazão para o que há de mais limpo da minha vontade de escrever.

Mais de um mês sem um parágrafo completo escrito com concordância, com preocupação estética, com cuidado. Maria Bethânia, agora canta, “estou com saudade de tu, meu desejo”. E eu me pergunto: qual foi meu desejo nesse mês sem palavras?

Encontros, desencontros, lágrimas, risos, álcool, drogas, avanços, retrocessos. Perdido num baú de tantas possibilidades que me reconhecia em cada pedacinho delas, e assim, não soube direito onde estava. Será?

Sigo escrevendo e resisto a vontade de ler o parágrafo anterior. E como será que esse texto ficará? Diverso, desconexo, distinto, diferente, difícil, divagações, di. Essa coisa que eu tenho de escrever somente em fases sós me assusta tanto que nem penso sobre isso. Nem lembro de pensar.

Quando escrevo vejo pessoas em pensamento. Ouço músicas. Textos são músicas sem melodias, sem riso. E eu queria ter escrito ritmo. Ou não. Meus textos tem ritmo. Assim desejo. Esse por exemplo poderia ser um blues. Um grande improviso. Mas quando fecho os olhos ouço algo que deve ser Bethoven. Como uma música acelerada-desacelerada-que-se-transformaria-facilmente-num-grito-de-alívio.

Escrevo com meu corpo. Passo as mãos pelo corpo e me sinto, quase que em transe. Descanso as mãos e a mente me tocando e lembrando que existo, em corpo, ato, consciência. As vezes digito olhando para cima para me surpreender com a estética das linhas. Como será que as palavras se organizaram? Ficaram bonitas assim, postas lado a lado, nessa fonte, nesse texto, nessa catarse literária?

Vontade de fechar os olhos e deixar levar-se nesse ritmo, nessa avalanche de palavras ao acaso, tão ansiosas quanto eu para vir para o texto e se tornar o que pode e merece ser visto. Engraçada essa vida das palavras tão semelhante com a minha. Todas ali, prontas para acontecer, apenas prontas. Em potencial, mas sempre em dúvida. Será que chega a minha vez? Pensa a letra em ressonância na minha cabeça.

Há palavras que duelam entre si e as que se confortam. Há palavras que foram feitas uma para a outra por exemplo e por favor, por exemplo. Há outras palavras que foram cruzadas no meio da história e jamais se separaram. Salvador e Dalí, Romeu e Julieta, Você e eu. Eu minúsculo, de propósito.

Para que respostas afinal, se são as dúvidas que nos põem em movimento? Duvido, logo existo, teria sido uma expressão mais acertada. Falta algo, logo existo, teria sido mais verdadeira e, por fim, Sou faltante, logo existo, nos acalentaria e não serviria para nada.

 

 

3 Respostas to “Catarse”

  1. Lísia Novembro 12, 2010 às 11:27 pm #

    Engraçado ver como muitas pessoas passam o mesmo que a gente, e a gente (eu) aqui, achando, ignorantemente, que somos (sou) os únicos no mundo todo com inconstâncias e devaneios.
    Tu transcreve os sentimentos com uma clareza e de forma tão deliciosa…
    Inveja, gostaria de conseguir compartilhar meus movimentos da mesma forma.
    Estarei aguardando ansiosamente pelas próximas palavras (sem pressão) haha.

  2. Alessandra Novembro 14, 2010 às 5:19 pm #

    “(…) o luto, por mais doloroso que possa ser, dissipa-se espontaneamente. Se renunciarmos a tudo que foi perdido, nossa libido se torna livre, por sua vez, para substituir, enquanto ainda somos jovens e cheios de vida, os objetos, perdidos por outros novos e, se possível, tão ou mais preciosos.”

    • vinicius Novembro 21, 2010 às 11:04 pm #

      Belíssimo!
      Poético e decadente.
      Amor, oh, amor. Por que nos coloca tão rápido no chão. Deve ser por que nos carrega com uma facilidade tamanha, que nos entregamos prontamente ao flutuo do teu embalo. Não nos damos conta que para mergulhar no mais profundo dos sentimentos, precisamos fazer o exercício de permanecer sem ar, em movimento, pelo tempo necessário para sair de lá de dentro vivo(s). Seja nas profundezas do mar sem fim do amor, no fogo ardente de uma paixão ou na coleta daquilo que nos compõem guardados nos baús das nossas vidas.
      Catarse literária tem seu valor, já sacaram os poetas que encapsulam e desencapsulam todos os sentimentos que contrariamente fizemos o contrário.
      Sem medo e sempre pressão. Conferimos-nos na busca de sentidos, signos, significados, significantes de qualquer coisa, que não são coisas, que nos acalente meio tamanha turbulência interna.
      Deixar os dedos deslizarem pelo teclado em busca de alguma solução me parece um tanto quanto ingênuo, pois depois do DEL nunca mais fomos os mesmo. Apagar, escreve, apaga e se paga um preço.
      A cada encontro entre o teclado, os dedos, consciência ou o oposto dela. Nos tornamos cada vez mais destacados da coleção que tentamos desgarrar. O caos criativo nos toma, endereçamos a alguém na promessa de que algum dia irá ler e entender que todos aqueles tropeços na verdade era eu.
      Dúvidas e mais dúvidas, sempre cercam e cercarão a nossa cabeça. Na proposta de algum dia sanar e calar os sonhos e devaneios que me exprime ao ponto de me conformar.
      Assim, posso existir, em palavras, textos, poesias, e canções. Seja num tango, num bolero, no machiche. Blues me parece uma boa pedida, mesmo quando, acho que na verdade é o SOUL que queremos tocar para ser aquilo que Soul.

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